Eduardo Alves Gonçalves dos
Santos[1]
Matheus Pacheco Perbiche[2]
Osvaldo Carneiro de Matos Neto[3]
Palavras-chave:
Simbolismo; poder; caubói; repressão.
Eric Hobsbawm inicia
sua reflexão apresentando sua problemática:
Porque populações de homens
montados tangendo rebanhos em geral (...) se tornam assuntos de mitos poderosos
e tipicamente heroicos? E porque, entre tantos mitos desse tipo, aquele gerado
por um grupo social e economicamente marginalizado de proletários desraigados,
que surgiu e desapareceu no decurso de duas décadas nos Estados Unidos do
século XIX, teve uma sorte global tão extraordinária, e a rigor tão única?
(HOBSBAWM, 2013, p. 310).
E
logo após, mais um questionamento: “Mas porque o mito? Que papel tem nele o
cavalo, claramente um animal dotado de poderosa carga emocional e simbólica?”
(IDEM, p. 311).
Sendo
assim, o meu objetivo diz respeito à tentativa de apresentar as respostas das
questões acima apresentadas. Seguindo a leitura do texto, Hobsbawm responde a
última das três perguntas, dizendo que “o mito tende a representar o guerreiro
em atividade, o agressor, o bárbaro, o estuprador, e não o estuprado.” (IDEM,
p. 312). Então, a produção cultural (literária, cinematográfica e teatral) cria
uma figura irreal do Faroeste, onde se tornou o grande símbolo nacional de
identificação norte-americana. O governo de J. W. Bush baseou-se fortemente
neste mito, visto isso pelos chapéus inspirados em TexWiller, por exemplo.
O cavalo apresenta-nos
a força, o poder. Mas não o poder do animal – até porque o animal, sozinho, não
faz mal algum a ninguém –, e sim o poder do homem que monta o animal. O cavalo
dá medo. Medo porque é imperador, é grande e com postura elegante. Medo porque
foi construída a imagem do cavalo como um animal dos mais nobres a ser montado.
Fazendo em paralelo entre a imagem do cavalo como símbolo de poder, e o caubói,
entendemos que o mito é essencialmente macho. A mulher, apesar de mostrar
bravura e uma bela imagem sobre o cavalo, em rodeios e em filmes de faroeste,
logo desapareceu. O que nos permite ressaltar que a doçura feminina nunca fora
objeto do qual o caubói americano se aproveitou para fazer sua própria imagem.
A figura do caubói
também se aproxima da ideologia liberalista, extremamente presente na sociedade
do século XIX. Esta ideologia prega que o homem é livre pelo seu trabalho. O
liberalismo também impõe o individualismo. Este é um ponto que se associacom o
caubói. O cavaleiro do Faroeste é, por natureza, individualista, vive sozinho,
mata sozinho, reprime sozinho. O liberalismo também sustenta o sonho, o papel
do caubói é deixar este sonho em plena esperança.
“A voga puramente local do mito
do Western foi ampliada e internacionalizada por meio da influência global da
cultura popular americana, a mais original e criativa do mundo industrial e
urbano, e dos veículos de comunicação de massa que a difundiam e eram dominados
pelos Estados Unidos” (IDEM, p. 327).
Hobsbawm nos mostra que essa imagem de um
homem bárbaro, inteligente, sindicalista e independente foi transplantada como
características do país, isso foi possível dos esforços de alguns presidentes.
E a transmissão externa desse orgulho nacional ficou a cargo da importância
mundial que os Estados Unidos possuíam no século XIX. Como dito anteriormente,
a produção cultural no mundo globalizado expandiu o caubói americano. Sendo
assim, alguns países internalizaram esta imagem como sendo de origem da sua cultura.
Alguns exemplos que Hobsbawm cita no texto são: a Colômbia, o Chile, a
Argentina e o Uruguai. Estes dois últimos, por sinal, utilizaram da imagem do
seu caubói para conseguir suas respectivas independências. No entanto, sem a
expressividade norte-americana.
Cena do
filme O Cavaleiro Solitário.[5]
Deteremo-nos
na discussão da figura do gaúcho, onde é próximo da nossa realidade. O homem,
masculino, do sul da América do Sul, mais especificamente da Argentina, Uruguai
e do Estado do Rio Grande do Sul. Aproximando-se ainda mais da nossa realidade,
questiono a questão do gaúcho-guarapuavano, tratando da intenção figurativa dos
Centros de Tradições Gaúchas. Esta figura diretamente relacionada com o
tropeirismo, identificada como o homem-andante, viajante do Caminho do Viamão.
Homem rústico, bruto, tradicional e tradicionalista. Este objeto de orgulho dos
habitantes rio-grandenses ocupou, também, a cidade de Guarapuava, por meio da
conservação das tradições gaúchas. O problema é que esta figura foi “importada”
do Rio Grande do Sul, pois não houve quantidade significativa de gaúchos na
formação e desenvolvimento da cidade. Guarapuava foi formada por portugueses,
enviados para a organização da cidade, e por imigrantes da Europa Central, como
por exemplo, ucranianos, alemães, poloneses e italianos. Além da figura
essencial e nativa do índio, pouco citado pelos que se dizem “gaúchos”.
José Artigas, caudilho libertador do Uruguai[6]
Outro caso da influência
do caubói americano em Guarapuava é a estátua do cavalo, situado na entrada da
cidade de Guarapuava. O problema é que o idealizador da estátua não percebeu
que o homem que monta ao cavalo está submisso ao último, devido à desproporção
do tamanho das duas retratações. Não é o cavalo que se impõe à nova terra
colonizada, mas o homem! Não é o cavalo que pensa, mas o homem! Não é o cavalo
que explora e humilha, mas o homem! Porém o homem se torna fraco sem o cavalo. Podemos
entender essa estátua como símbolo de poder, afinal de contas, o cavalo carrega
consigo a ideia de superioridade. O confronto primeiro da dominação de
Guarapuava por parte dos exploradores portugueses se deu entre o colonizador –
sobre o seu cavalo – e o índio – a pé. Neste confronto estiveram bem
estabelecidas as características deste cavaleiro, que se tinha por superior,
dotado da civilidade e independente de qualquer opinião indígena. E assim como
o caubói com o seu mito, aqui imperou a barbárie. Vidas de muitos índios foram
ceifadas, tudo para demonstrar o poder da civilidade. Portanto, a estátua do
cavalo e do cavaleiro podem representar que os governantes guarapuavanos
preferem a imagem do repressor, daquele que devastou várias culturas e que
roubou a terra de seus donos. Percebe-se que não há esforço em resgatar a
memória daquele índio que lutou até o fim para se manter no espaço que de fato
era seu. E talvez essa postura por parte dos governantes queira dizer algo a
seus habitantes: “nós preferimos a repressão, nós dizimamos as minorias e nós
somos independentes, não precisamos e não ouviremos de forma alguma, aqui de
cima do cavalo, a voz de nenhum de vocês, que estão a pé aí embaixo, bem abaixo
de nossos pés.”
Estátua de Diogo Pinto Portugal
em Guarapuava-PR
O
próximo tema de discussão é acerca da utopia do mito do caubói. E dizemos isso
citando Hobsbawm: “O mito original do Oeste, como o da própria América, era,
portanto, utópico.” (IDEM, p. 317). Ele ainda diz que os heróis do Oeste eram
índios, e caçadores que viviam com os índios e como os índios. Prova-se tal
afirmação pela citação de Hobsbawm sobre as mortes do período que geralmente
contam-se as histórias do Faroeste:
E a inventada tradição do Oeste é
inteiramente simbólica, na medida em que generaliza a experiência de um
comparativo punhado de pessoas marginais. Quem, no fim das contas, se importa
com o fato de que o número total de mortes por arma de fogo em todas as grandes
cidades que se fazia comércio de gado entre 1870 e 1885 (...) em 45, ou uma
média de 1,5 por temporada de venda de gado, ou que os jornais do Oeste não
estavam impregnados de histórias de brigas de bar, mas de notícias sobre o
valor das propriedades e oportunidades comerciais? (IDEM, p. 321).
Neste momento Hobsbawm desconstrói o
imaginário e a memória americana, onde os eles orgulhavam-se de serem caubóis
rústicos e brutos.
Sendo
assim, debatemos com Michel Foucault, em seu texto “Em Defesa da Sociedade”, no
qual ele expõe sua teoria, a respeito do conceito de Biopoder, e da
domesticação dos corpos, para o capitalismo. Foucault discute a sociedade
disciplinar, situando-a entre o século X, com alguns resquícios até hoje. O seu
auge foi, justamente, nos século XIX e XX, os mesmos do surgimento do mito,
além da situação temporal do idealizado faroeste. Portanto, o diálogo entre os
dois autores – Hobsbawm e Foucault – dá-se dentro da disciplinarização dos
corpos, para a produção do trabalho sobre a exploração do capital, que, por sua
vez, explora o trabalho. Expressões disso são os exemplos citados
anteriormente. Todos eles se encaixam na teoria foucaultiana, dialogando com a
ideologia defendida com Hobsbawm.
BIBLIGRAFIA:
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e
autores. – Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: no curso do Collège de France (1975 –1976).
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. V. 1 – 16º ed. – Rio
de Janeiro: Graal, 1988.
HOBSBAWM, Eric. Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX. In: ____ O
Caubói americano: um mito internacional? - 1º ed. – São Paulo: Companhia das
Letras, 2013. p. 310 – 329.
KOSELLECK, Reinhardt. Futuro Passado: contribuição à semântica
dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC, 2006.
[1] Bolsista
PET-História/Unicentro – duduags@hotmail.com.
[2] Bolsista
I.C/A.F - Fundação Araucária/Unicentro – matheusperbiche@gmail.com
[3] Voluntário
PET-Hisória/Unicentro – osvaldocm_neto@hotmail.com
[4] Rio Bravo é um filme
estadunidense de 1959, do gênero western, dirigido por Howard Hawks. O filme
conta a história de um xerife que enfrenta quase sozinho um poderoso rancheiro
que domina a região.
[5]Forasteiro misterioso aparece em região mineira e enfrenta
bandidos que oprimem os trabalhadores. Primeiro faroeste de Eastwood desde
"JoseyWales, o Fora-da-Lei" (76). Retoma o tema de "O Estranho em
Nome" (73), mas desta vez o vingador parece ter vindo do céu, não do
inferno. Ação e trama mantêm o interesse. Verão de 1850.
[6] Estátua de José
Artigas, localizada na Praça da República em Montevidéu-Uruguai.
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