terça-feira, 15 de abril de 2014

ARTIGO




TRAÇOS DO CAUBÓI AMERICANO: GUARAPUAVA E A ESTÁTUA DE DIOGO PINTO DE AZEVEDO PORTUGAL.

Eduardo Alves Gonçalves dos Santos[1]
Matheus Pacheco Perbiche[2]
Osvaldo Carneiro de Matos Neto[3]

Palavras-chave: Simbolismo; poder; caubói; repressão.

Eric Hobsbawm inicia sua reflexão apresentando sua problemática:
Porque populações de homens montados tangendo rebanhos em geral (...) se tornam assuntos de mitos poderosos e tipicamente heroicos? E porque, entre tantos mitos desse tipo, aquele gerado por um grupo social e economicamente marginalizado de proletários desraigados, que surgiu e desapareceu no decurso de duas décadas nos Estados Unidos do século XIX, teve uma sorte global tão extraordinária, e a rigor tão única? (HOBSBAWM, 2013, p. 310).

            E logo após, mais um questionamento: “Mas porque o mito? Que papel tem nele o cavalo, claramente um animal dotado de poderosa carga emocional e simbólica?” (IDEM, p. 311).
            Sendo assim, o meu objetivo diz respeito à tentativa de apresentar as respostas das questões acima apresentadas. Seguindo a leitura do texto, Hobsbawm responde a última das três perguntas, dizendo que “o mito tende a representar o guerreiro em atividade, o agressor, o bárbaro, o estuprador, e não o estuprado.” (IDEM, p. 312). Então, a produção cultural (literária, cinematográfica e teatral) cria uma figura irreal do Faroeste, onde se tornou o grande símbolo nacional de identificação norte-americana. O governo de J. W. Bush baseou-se fortemente neste mito, visto isso pelos chapéus inspirados em TexWiller, por exemplo.
O cavalo apresenta-nos a força, o poder. Mas não o poder do animal – até porque o animal, sozinho, não faz mal algum a ninguém –, e sim o poder do homem que monta o animal. O cavalo dá medo. Medo porque é imperador, é grande e com postura elegante. Medo porque foi construída a imagem do cavalo como um animal dos mais nobres a ser montado. Fazendo em paralelo entre a imagem do cavalo como símbolo de poder, e o caubói, entendemos que o mito é essencialmente macho. A mulher, apesar de mostrar bravura e uma bela imagem sobre o cavalo, em rodeios e em filmes de faroeste, logo desapareceu. O que nos permite ressaltar que a doçura feminina nunca fora objeto do qual o caubói americano se aproveitou para fazer sua própria imagem. 
                                  

                                                                                                    Imagem do filme Rio Bravo.[4]

A figura do caubói também se aproxima da ideologia liberalista, extremamente presente na sociedade do século XIX. Esta ideologia prega que o homem é livre pelo seu trabalho. O liberalismo também impõe o individualismo. Este é um ponto que se associacom o caubói. O cavaleiro do Faroeste é, por natureza, individualista, vive sozinho, mata sozinho, reprime sozinho. O liberalismo também sustenta o sonho, o papel do caubói é deixar este sonho em plena esperança.
“A voga puramente local do mito do Western foi ampliada e internacionalizada por meio da influência global da cultura popular americana, a mais original e criativa do mundo industrial e urbano, e dos veículos de comunicação de massa que a difundiam e eram dominados pelos Estados Unidos” (IDEM, p. 327).

 Hobsbawm nos mostra que essa imagem de um homem bárbaro, inteligente, sindicalista e independente foi transplantada como características do país, isso foi possível dos esforços de alguns presidentes. E a transmissão externa desse orgulho nacional ficou a cargo da importância mundial que os Estados Unidos possuíam no século XIX. Como dito anteriormente, a produção cultural no mundo globalizado expandiu o caubói americano. Sendo assim, alguns países internalizaram esta imagem como sendo de origem da sua cultura. Alguns exemplos que Hobsbawm cita no texto são: a Colômbia, o Chile, a Argentina e o Uruguai. Estes dois últimos, por sinal, utilizaram da imagem do seu caubói para conseguir suas respectivas independências. No entanto, sem a expressividade norte-americana.
                                                                    Cena do filme O Cavaleiro Solitário.[5]

            Deteremo-nos na discussão da figura do gaúcho, onde é próximo da nossa realidade. O homem, masculino, do sul da América do Sul, mais especificamente da Argentina, Uruguai e do Estado do Rio Grande do Sul. Aproximando-se ainda mais da nossa realidade, questiono a questão do gaúcho-guarapuavano, tratando da intenção figurativa dos Centros de Tradições Gaúchas. Esta figura diretamente relacionada com o tropeirismo, identificada como o homem-andante, viajante do Caminho do Viamão. Homem rústico, bruto, tradicional e tradicionalista. Este objeto de orgulho dos habitantes rio-grandenses ocupou, também, a cidade de Guarapuava, por meio da conservação das tradições gaúchas. O problema é que esta figura foi “importada” do Rio Grande do Sul, pois não houve quantidade significativa de gaúchos na formação e desenvolvimento da cidade. Guarapuava foi formada por portugueses, enviados para a organização da cidade, e por imigrantes da Europa Central, como por exemplo, ucranianos, alemães, poloneses e italianos. Além da figura essencial e nativa do índio, pouco citado pelos que se dizem “gaúchos”. 


                                                                                José Artigas, caudilho libertador do Uruguai[6]

 
Outro caso da influência do caubói americano em Guarapuava é a estátua do cavalo, situado na entrada da cidade de Guarapuava. O problema é que o idealizador da estátua não percebeu que o homem que monta ao cavalo está submisso ao último, devido à desproporção do tamanho das duas retratações. Não é o cavalo que se impõe à nova terra colonizada, mas o homem! Não é o cavalo que pensa, mas o homem! Não é o cavalo que explora e humilha, mas o homem! Porém o homem se torna fraco sem o cavalo. Podemos entender essa estátua como símbolo de poder, afinal de contas, o cavalo carrega consigo a ideia de superioridade. O confronto primeiro da dominação de Guarapuava por parte dos exploradores portugueses se deu entre o colonizador – sobre o seu cavalo – e o índio – a pé. Neste confronto estiveram bem estabelecidas as características deste cavaleiro, que se tinha por superior, dotado da civilidade e independente de qualquer opinião indígena. E assim como o caubói com o seu mito, aqui imperou a barbárie. Vidas de muitos índios foram ceifadas, tudo para demonstrar o poder da civilidade. Portanto, a estátua do cavalo e do cavaleiro podem representar que os governantes guarapuavanos preferem a imagem do repressor, daquele que devastou várias culturas e que roubou a terra de seus donos. Percebe-se que não há esforço em resgatar a memória daquele índio que lutou até o fim para se manter no espaço que de fato era seu. E talvez essa postura por parte dos governantes queira dizer algo a seus habitantes: “nós preferimos a repressão, nós dizimamos as minorias e nós somos independentes, não precisamos e não ouviremos de forma alguma, aqui de cima do cavalo, a voz de nenhum de vocês, que estão a pé aí embaixo, bem abaixo de nossos pés.”

                                                   Estátua de Diogo Pinto Portugal em Guarapuava-PR

                        O próximo tema de discussão é acerca da utopia do mito do caubói. E dizemos isso citando Hobsbawm: “O mito original do Oeste, como o da própria América, era, portanto, utópico.” (IDEM, p. 317). Ele ainda diz que os heróis do Oeste eram índios, e caçadores que viviam com os índios e como os índios. Prova-se tal afirmação pela citação de Hobsbawm sobre as mortes do período que geralmente contam-se as histórias do Faroeste:
E a inventada tradição do Oeste é inteiramente simbólica, na medida em que generaliza a experiência de um comparativo punhado de pessoas marginais. Quem, no fim das contas, se importa com o fato de que o número total de mortes por arma de fogo em todas as grandes cidades que se fazia comércio de gado entre 1870 e 1885 (...) em 45, ou uma média de 1,5 por temporada de venda de gado, ou que os jornais do Oeste não estavam impregnados de histórias de brigas de bar, mas de notícias sobre o valor das propriedades e oportunidades comerciais? (IDEM, p. 321).

 Neste momento Hobsbawm desconstrói o imaginário e a memória americana, onde os eles orgulhavam-se de serem caubóis rústicos e brutos.
            Sendo assim, debatemos com Michel Foucault, em seu texto “Em Defesa da Sociedade”, no qual ele expõe sua teoria, a respeito do conceito de Biopoder, e da domesticação dos corpos, para o capitalismo. Foucault discute a sociedade disciplinar, situando-a entre o século X, com alguns resquícios até hoje. O seu auge foi, justamente, nos século XIX e XX, os mesmos do surgimento do mito, além da situação temporal do idealizado faroeste. Portanto, o diálogo entre os dois autores – Hobsbawm e Foucault – dá-se dentro da disciplinarização dos corpos, para a produção do trabalho sobre a exploração do capital, que, por sua vez, explora o trabalho. Expressões disso são os exemplos citados anteriormente. Todos eles se encaixam na teoria foucaultiana, dialogando com a ideologia defendida com Hobsbawm.

BIBLIGRAFIA:
CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos e autores. – Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: no curso do Collège de France (1975 –1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: a vontade de saber. V. 1 – 16º ed. – Rio de Janeiro: Graal, 1988.
HOBSBAWM, Eric. Tempos fraturados: cultura e sociedade no século XX. In: ____ O Caubói americano: um mito internacional? - 1º ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 310 – 329.
KOSELLECK, Reinhardt. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC, 2006.


[1] Bolsista PET-História/Unicentro – duduags@hotmail.com.
[2] Bolsista I.C/A.F - Fundação Araucária/Unicentro – matheusperbiche@gmail.com
[3] Voluntário PET-Hisória/Unicentro – osvaldocm_neto@hotmail.com
[4] Rio Bravo é um filme estadunidense de 1959, do gênero western, dirigido por Howard Hawks. O filme conta a história de um xerife que enfrenta quase sozinho um poderoso rancheiro que domina a região.

[5]Forasteiro misterioso aparece em região mineira e enfrenta bandidos que oprimem os trabalhadores. Primeiro faroeste de Eastwood desde "JoseyWales, o Fora-da-Lei" (76). Retoma o tema de "O Estranho em Nome" (73), mas desta vez o vingador parece ter vindo do céu, não do inferno. Ação e trama mantêm o interesse. Verão de 1850. 
[6] Estátua de José Artigas, localizada na Praça da República em Montevidéu-Uruguai.

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