segunda-feira, 18 de abril de 2016

Experiência de Campo - Vale do Ribeira: O exemplo da comunidade remanescente quilombola de Ivaporanduva para a desutopização de uma organização social colaborativa.


O quilombo de Ivaporanduva fica  a aproximadamente 50km da cidade de Eldorado, Sudeste do estado de São Paulo, mais precisamente na região do Vale do rio Ribeira, encaixado em uma bacia que margeia o rio. Lá, pude viver e analizar aspectos de uma comunidade tradicional, que possuí sua própria história e forma de se relacionar entre sí e com o “mundo externo”, reproduzindo internamente seus próprios discursos e posicionamentos políticos,  mesmo atualmente onde predominam os discursos e as verdades construídas e estabelecidas pelo sistema capitalista, como o consumismo e a meritocracia, valores geralmente cristalizados na consciencia coletiva como normais e absolutos, e que mesmo presentes na mentalidade dessa comunidade (não externa ao sistema capitalista, mas à margem dele), não ocupam um papel primário como somos acostumados a atribuí-los.
 Resistem a esses discursos externos, de forma a  estabelecerem ao territorio do quilobo suas próprias relações e divisões do trabalho, tendo sempre como principio básico a colaboração dentro do grupo, visando sempre ajudar mais aqueles que tem menos, assim, buscando uma constante nivelação social interna. Talvez essa colaboração esteja enraizada em seu histórico de resisência, no qual tiveram sempre de se unir para resistir frente a sociedade estabelecida, relação que segundo os próprios quilombolas, só começou a melhorar nos últimos 15 anos.
 Desses anos para cá, alguns projetos colaboraram para que a qualidade da vida dentro do quilombo melhorasse bastante, como a comercialização da banana orgânica que já era cultivada dessa forma por eles a muito tempo, mas só foi possível obter um retorno financiero a partir da criação de projetos que fortaleceram os pequenos e medios produtores. Ivamporanduva é hoje um dos  maiores produtores de banana orgânica do estado de São Paulo, e o retorno dessa produção é principal fonte de ganho financeiro da comunidade. Segundo o Ditão, 65 anos, um dos líderes quilombolas que nos acompanhou como guía durante o primeiro dia de campo, essa renda é dividida igualmente entre o grupo, e investida em projetos de interesse interno, que são discutidas e etabelecidas através de votação em conselhos abertos aos membros da comunidade.
 Entre esses projetos, está o da criação de um turismo diferente, chamado por Ditão  de etnoturismo, onde pessoas podem ter acesso à cultura e à história que não é estudada nas escolas, uma história viva, de um povo guerreiro que ainda hoje resiste frente ao sistema estabelecido. O turismo hoje também é uma fonte de ganho financeiro, e que também possúi traços que ao meu ver são fundamentais para a compreensão dessa estrutura social, tendo em vista que até ali o trabalho é dividido. Todos possúem sua Capuava (terra de trabalho), onde cultivam o que bem entenderem, para consumo próprio ou comercialização, mas também se revezam em trabalhos relacionados à esse projeto,  atuando como guias em trilhas, na construção de casas ou na manutencão da pousada, sendo visível essa divisão até mesmo na cozinha, onde cada dia uma dupla diferente de mulheres trabalhou, preparando a comida e depois limpando e arrumando tudo.
 Essa divisão do trabalho é também visível nas relações entre os membros do grupo, sendo ajudado aquele que mais precisa, por conta de alguma doença ou dificuldade financeira, se alguém tem alguma necessidade, a comunidade se mobiliza para ajuda-lo. Aspecto que foge bastante do nosso pensamento individualista construido pelos discursos capitalistas, onde tempo é dinheiro, e dinheiro é auto-realização, e que entre outros contribui para a idealização de uma comunidade sem desigualdade como algo utópico, e que em contrapartida é descunstruído ao conhecer uma cominidade com tal organização social, onde o espírito fraternal permeia as mais de 100 famílias e suas relações, atribuíndo a elas a colaboratividade como algo comum, e tendo o nivelamento social interno, ao meu ver, como reflexo dessa mentalidade.
 Mentaildade construída por um ponto de vista onde a união faz a força, e a força gera o resultado. Hoje, o quilombo de Ivaporanduva  é uma minoria que possuí sua força e sua visibilidade, tendo como base para as relações internas e externas os valores tradicionais e os conhecimentos obtidos pelos membros que nos últimos anos conseguiram ingresar em universidades, e que ao concluir seus estudos, retornam à comunidade para colaborar com o coletivo. Hoje esses membros são de grande importancia para o grupo, e mesmo jovens, possuem posições de grande importancia na gestão do grupo, seja nos projetos internos ou nas relações políticas externas.
 Se é possível que nossa sociedade algum dia alcance um estado sem desigualdade social, acredito ser impossível prever, mas ao viver essa experiencia em Ivaporanduva, passo a ter isso não como uma utopia, mas como algo atingivel, concreto, palpavel, e que só não se establece em grande escala por conta dos discursos ainda tidos e assimilados como verdades absolutas, que ditam o que cada um pode fazer e como devem se relacionar, colocando como normal tudo aquilo que é do interesse de poucos e que é assimilado e reproduzido por muitos, e estabelecendo como utopia ou loucura tudo aquilo que foge à esses intereses.

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