Abd Al-Rahman Ibn Khaldun (1332-1406), além de historiador, o árabe
possuía diversas alcunhas, dentre elas astrônomo, economista, jurista islâmico,
advogado islâmico, erudito islâmico, teólogo islâmico, hafiz, matemático, estrategista militar, nutricionista, filósofo,
cientista social e estadista. Sua grande obra foi o Muqaddimah, a primeira parte de seu livro de história universal,
onde apresenta através da troca de dinastias do Magreb, uma filosofia da
história cíclica[1],
também e conhecido no ocidente como Prolegômenos.
Nascera na região do Magreb, onde
hoje é a Tunísia. Partiu ainda menino com sua família para Espanha, em Sevilha,
região onde havia hegemonia árabe, porém, após os reinos cristãos se expandirem
para sul da Espanha retornará a Túnis, onde seu avô era um importante
político. Ibn receberá boa educação, apesar de seus pais serem carentes de
bens. Segundo Hourani (1994), acredita-se que até as famílias consideradas
pobres ou desfavorecidas, tinham uma boa educação fundamentada nas normas do
Alcorão. Que corrobora com a pesquisa de Giordani (1985), a qual os métodos de
ensino dos muçulmanos no período medieval são totalmente fundamentados a partir
do Alcorão[2]. Já
na juventude, Ibn Khaldun foi buscar o conhecimento em diversas cidades, e em
várias mesquitas, onde aprendeu sobre o alcorão (livro sagrado dos muçulmanos),
a moral, a lei, a matemática, a logica e a filosofia islã. Segundo Hourani
(1994), era costume da época, viajar em busca de conhecimento e daqueles que pudessem
oferecê-lo.
Devido a seu conhecimento da lei e da ordem, permeou por diversos cargos
públicos da cidade de Túnis. Também, percorreu servindo diversas cidades e
califados da região do Magreb, como politico ou ensinando em mesquitas. Visto
que, em diversas dessas mudanças de Ibn Khaldun, fora em virtude de disputas
políticas, Hourani (1994) considera que as relações entre governantes árabes
eram instáveis. Como se vê nesta citação:
Foi para granada
capital do último império remanescente da Espanha muçulmana [...] participou da
política de atrair os chefes árabes ou berberes das estepes e montanhas para
que se aliassem aos governantes que servia, e a influência que ganhou junto a
eles foi útil quando, como lhe aconteceu repetidas vezes na vida, caiu em
desfavor junto ao seu senhor. (HOURANI, 1994, p. 16).
Após, muitas empreitadas, passou
quatro anos (1375-1379), vivendo num castelo, no interior da Argélia, assim,
passou escrevendo sua principal obra o Muqaddimah,
que é o primeiro volume, de sua obra de história geral Kitab al-Ibar, que seria uma história geral das dinastias do
Magreb.
O Muqaddimah é uma obra de
exponencial importância para a História. Nesta obra, Ibn Khaldun, tentou
explicar, por meio de ascensão e queda de dinastias, como funciona o governo
islâmico, ou seja, os califados e suas transformações, criando um tipo de
teoria da história cíclica. Na mudança de uma tribo da estepe ou da montanha, a
qual possuía um governo desorganizado, para um governo complexo e organizado, o
qual tinha objetivo de obtenção e manutenção do poder.
Quem pratica
esta ciência precisa conhecer as regras do estadismo, a natureza das coisas
existentes e a diferença entre nações, regiões e tribos em relação a estilo de
vida, qualidades de caráter, costumes, seitas, escolas de pensamento, e assim
por diante. Deve distinguir as semelhanças e diferenças entre o presente e o passado, e
conhecer as várias origens das dinastias e comunidades, os motivos porque
vieram a existir, as circunstâncias das pessoas nelas envolvidas, e sua
história. (IBN KHALDUN, 1994, p. 209 apud HOURANI, p. 28).
Também, Ibn Khaldun, atenta para a legitimidade do governante. Algo que
ele chamou de “governante divino”, ou seja, um individuo, que é considerado
descendente de Maomé, portanto, nos diz, que dos laços de ancestralidade pelo
qual um líder ou governante da região se transformaria em um “governante
divino”, fundando uma dinastia.
Poderosas dinastias tinham cidades centro da cultura muçulmana, como são
caso das cidades de Túnis, Meca e Damasco, as quais eram governadas por grandes
califados. No entanto, Ibn Khaldun, pontua que toda dinastia traria consigo a
sua destruição. Como se vê nesta citação:
Com a aproximação do segundo estágio o
soberano mostra-se independente de seu povo: reclama toda glória para si e
afasta dela a sua gente [...] Como resultado, eles tornam-se seus inimigos e,
para impedir que tomem o poder, ele precisa de outros amigos, não de sua gente,
que possa usar contra seu próprio povo. (IBN KHALDUN,
1994, p. 218 apud HOURANI, p. 183).
Em sua visão, Khaldun, diz que o número dos membros de uma dinastia é
ordinariamente três, sendo o primeiro o fundador, o segundo alcança o auge da
dinastia e o terceiro inicia a decadência. Desta maneira, um governante que
fosse extravagante, tirano ou não qualificado para o comando, perdia
legitimidade divina e o fervor do povo. Segundo Khaldun, esses eram indícios da
mudança de governo, ou seja, o fim de uma dinastia e o alvorecer de uma nova,
já que, este governante não possuía mais a legitimidade divina para permanecer
no poder. Assim, nascia um novo descendente de Maomé, que formularia nova
dinastia.
Ibn Khaldun, também faz apontamentos sobre os governos ocidentais
cristãos, que por não serem organizados, segundo as normas do Alcorão, e não
possuírem legitimidade divina estariam fadados ao caos.
Anos após a conclusão de sua obra, Ibn Khaldun, juntara diversas
inimizades por sua personalidade, então, foi embora de Túnis, indo ensinar
teologia islâmica nos palácios reais de Cairo, que era capital do Sultanato
Mameluco. Ao viajarem a seu encontro em Cairo, o navio que fazia a travessia da
família de Ibn Khaldun, naufragou. Então, após a morte de sua esposa e filhos
por naufrágio e a morte de seus pais vitimas da peste negra. Ibn Khaldun
abandonou todos os seus afazeres, e passou o resto da vida para peregrinação,
viajando entre os centros árabes, como a Síria, Damasco, Jerusalém e Cairo,
aonde veio a falecer aos 74 anos. Sua obra e sua trajetória são amostras de um
mundo estranho a nós, uma Idade Média diferente, um mundo de constantes
transformações.
Definir Ibn Khaldun apenas como
historiador, limitaria sua capacidade intelectual, segundo Maria Guadalupe
(2000), foi considerado como o pai da sociologia e da antropologia, sendo um
dos grandes expoentes e difusores do mundo islâmico. Assim, Hourani (1994), nos
diz que Ibn Khaldun, foi tão importante para o mundo árabe, quanto para mundo
ocidental, pois, a partir de sua obra, é que conseguimos conhecer um pouco sobre o mundo árabe,
e compreender sua cultura e os ensinamentos do Alcorão. E para os árabes, foi
grande decifrador da cultura do Magreb, conhecedor e difusor do islamismo.
Infelizmente, muitas de suas obras
se perderam no tempo, entretanto, apesar da carência de fontes sobre o mundo
islâmico, é possível denotar que Abd
Al-Rahman Ibn Khaldun foi um notável expoente do mundo árabe medieval. E sua
obra o Muqaddimah, foi inovadora, a
forma com que trata a História.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GIORDANI, Mário
Curtis. História do mundo árabe medieval.
5. Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
HOURANI, Albert.
Uma
história dos povos árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São
Paulo: Companhia das Letras, 1994.
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora
UNESP, 2000.
STEWART, Desmond.
El mundo árabe. México: Offset
Multicolor, 1963.
[1] Há congruências sobre a
utilização deste termo, pois, Giordani (1985), apenas utiliza o termo filosofia
da história cíclica para definir a obra de Ibn Khaldun. Já Hourani (1994), a
mesma se apresenta como uma teoria da história cíclica, visto que, está não
possui nenhum sentido único e nem finalidade universal.
[2] Esse método de ensino é
conhecido como Nizamiyya, o qual
continha diversas disciplinas, dentre as mais destacáveis estão à
jurisprudência, a história, a astronomia, a matemática, a música, a química e a
arquitetura.
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