segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Experiências Discursivas por Rafael Hass Wendler - O historiador árabe Ibn Khaldun

Abd Al-Rahman Ibn Khaldun (1332-1406), além de historiador, o árabe possuía diversas alcunhas, dentre elas  astrônomo, economista, jurista islâmico, advogado islâmico, erudito islâmico, teólogo islâmico, hafiz, matemático, estrategista militar, nutricionista, filósofo, cientista social e estadista. Sua grande obra foi o Muqaddimah, a primeira parte de seu livro de história universal, onde apresenta através da troca de dinastias do Magreb, uma filosofia da história cíclica[1], também e conhecido no ocidente como Prolegômenos.
 Nascera na região do Magreb, onde hoje é a Tunísia. Partiu ainda menino com sua família para Espanha, em Sevilha, região onde havia hegemonia árabe, porém, após os reinos cristãos se expandirem para sul da Espanha retornará a Túnis, onde seu avô era um importante político. Ibn receberá boa educação, apesar de seus pais serem carentes de bens. Segundo Hourani (1994), acredita-se que até as famílias consideradas pobres ou desfavorecidas, tinham uma boa educação fundamentada nas normas do Alcorão. Que corrobora com a pesquisa de Giordani (1985), a qual os métodos de ensino dos muçulmanos no período medieval são totalmente fundamentados a partir do Alcorão[2]. Já na juventude, Ibn Khaldun foi buscar o conhecimento em diversas cidades, e em várias mesquitas, onde aprendeu sobre o alcorão (livro sagrado dos muçulmanos), a moral, a lei, a matemática, a logica e a filosofia islã. Segundo Hourani (1994), era costume da época, viajar em busca de conhecimento e daqueles que pudessem oferecê-lo.
Devido a seu conhecimento da lei e da ordem, permeou por diversos cargos públicos da cidade de Túnis. Também, percorreu servindo diversas cidades e califados da região do Magreb, como politico ou ensinando em mesquitas. Visto que, em diversas dessas mudanças de Ibn Khaldun, fora em virtude de disputas políticas, Hourani (1994) considera que as relações entre governantes árabes eram instáveis. Como se vê nesta citação:
Foi para granada capital do último império remanescente da Espanha muçulmana [...] participou da política de atrair os chefes árabes ou berberes das estepes e montanhas para que se aliassem aos governantes que servia, e a influência que ganhou junto a eles foi útil quando, como lhe aconteceu repetidas vezes na vida, caiu em desfavor junto ao seu senhor. (HOURANI, 1994, p. 16).

 Após, muitas empreitadas, passou quatro anos (1375-1379), vivendo num castelo, no interior da Argélia, assim, passou escrevendo sua principal obra o Muqaddimah, que é o primeiro volume, de sua obra de história geral Kitab al-Ibar, que seria uma história geral das dinastias do Magreb.
O Muqaddimah é uma obra de exponencial importância para a História. Nesta obra, Ibn Khaldun, tentou explicar, por meio de ascensão e queda de dinastias, como funciona o governo islâmico, ou seja, os califados e suas transformações, criando um tipo de teoria da história cíclica. Na mudança de uma tribo da estepe ou da montanha, a qual possuía um governo desorganizado, para um governo complexo e organizado, o qual tinha objetivo de obtenção e manutenção do poder.
Quem pratica esta ciência precisa conhecer as regras do estadismo, a natureza das coisas existentes e a diferença entre nações, regiões e tribos em relação a estilo de vida, qualidades de caráter, costumes, seitas, escolas de pensamento, e assim por diante. Deve distinguir as semelhanças  e diferenças entre o presente e o passado, e conhecer as várias origens das dinastias e comunidades, os motivos porque vieram a existir, as circunstâncias das pessoas nelas envolvidas, e sua história. (IBN KHALDUN, 1994, p. 209 apud HOURANI, p. 28).

Também, Ibn Khaldun, atenta para a legitimidade do governante. Algo que ele chamou de “governante divino”, ou seja, um individuo, que é considerado descendente de Maomé, portanto, nos diz, que dos laços de ancestralidade pelo qual um líder ou governante da região se transformaria em um “governante divino”, fundando uma dinastia.
Poderosas dinastias tinham cidades centro da cultura muçulmana, como são caso das cidades de Túnis, Meca e Damasco, as quais eram governadas por grandes califados. No entanto, Ibn Khaldun, pontua que toda dinastia traria consigo a sua destruição. Como se vê nesta citação:
 Com a aproximação do segundo estágio o soberano mostra-se independente de seu povo: reclama toda glória para si e afasta dela a sua gente [...] Como resultado, eles tornam-se seus inimigos e, para impedir que tomem o poder, ele precisa de outros amigos, não de sua gente, que possa usar contra seu próprio povo. (IBN KHALDUN, 1994, p. 218 apud HOURANI, p. 183).

Em sua visão, Khaldun, diz que o número dos membros de uma dinastia é ordinariamente três, sendo o primeiro o fundador, o segundo alcança o auge da dinastia e o terceiro inicia a decadência. Desta maneira, um governante que fosse extravagante, tirano ou não qualificado para o comando, perdia legitimidade divina e o fervor do povo. Segundo Khaldun, esses eram indícios da mudança de governo, ou seja, o fim de uma dinastia e o alvorecer de uma nova, já que, este governante não possuía mais a legitimidade divina para permanecer no poder. Assim, nascia um novo descendente de Maomé, que formularia nova dinastia.
Ibn Khaldun, também faz apontamentos sobre os governos ocidentais cristãos, que por não serem organizados, segundo as normas do Alcorão, e não possuírem legitimidade divina estariam fadados ao caos.
Anos após a conclusão de sua obra, Ibn Khaldun, juntara diversas inimizades por sua personalidade, então, foi embora de Túnis, indo ensinar teologia islâmica nos palácios reais de Cairo, que era capital do Sultanato Mameluco. Ao viajarem a seu encontro em Cairo, o navio que fazia a travessia da família de Ibn Khaldun, naufragou. Então, após a morte de sua esposa e filhos por naufrágio e a morte de seus pais vitimas da peste negra. Ibn Khaldun abandonou todos os seus afazeres, e passou o resto da vida para peregrinação, viajando entre os centros árabes, como a Síria, Damasco, Jerusalém e Cairo, aonde veio a falecer aos 74 anos. Sua obra e sua trajetória são amostras de um mundo estranho a nós, uma Idade Média diferente, um mundo de constantes transformações.
Definir Ibn Khaldun apenas como historiador, limitaria sua capacidade intelectual, segundo Maria Guadalupe (2000), foi considerado como o pai da sociologia e da antropologia, sendo um dos grandes expoentes e difusores do mundo islâmico. Assim, Hourani (1994), nos diz que Ibn Khaldun, foi tão importante para o mundo árabe, quanto para mundo ocidental, pois, a partir de sua obra, é que conseguimos conhecer um pouco sobre o mundo árabe, e compreender sua cultura e os ensinamentos do Alcorão. E para os árabes, foi grande decifrador da cultura do Magreb, conhecedor e difusor do islamismo.
Infelizmente, muitas de suas obras se perderam no tempo, entretanto, apesar da carência de fontes sobre o mundo islâmico, é possível denotar que Abd Al-Rahman Ibn Khaldun foi um notável expoente do mundo árabe medieval. E sua obra o Muqaddimah, foi inovadora, a forma com que trata a História.
Da esquerda para direita - Monumento a Ibn Khaldun no centro de Túnis (capital da atual Tunísia), representação de Khaldun do século XX (artista desconhecido), a principal obra de Ibn Khaldun, o Muqaddimah nas versões mais recentes traduzida para ocidente e em árabe. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GIORDANI, Mário Curtis. História do mundo árabe medieval. 5. Ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.
HOURANI, Albert.  Uma história dos povos árabes. Tradução de Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
PEDRERO-SÁNCHEZ, Maria Guadalupe. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
STEWART, Desmond. El mundo árabe. México: Offset Multicolor, 1963.





[1] Há congruências sobre a utilização deste termo, pois, Giordani (1985), apenas utiliza o termo filosofia da história cíclica para definir a obra de Ibn Khaldun. Já Hourani (1994), a mesma se apresenta como uma teoria da história cíclica, visto que, está não possui nenhum sentido único e nem finalidade universal.
[2] Esse método de ensino é conhecido como Nizamiyya, o qual continha diversas disciplinas, dentre as mais destacáveis estão à jurisprudência, a história, a astronomia, a matemática, a música, a química e a arquitetura.

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